TJSP nega recurso contra arbitragem no caso CAOA
VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) encerrou mais um capítulo da disputa judicial que se desenrola desde 1995 entre a exportadora francesa Renault e a concessionária nacional CAOA, antiga distribuidora da marca, em função do fim da parceria. Pela terceira vez, a CAOA tentou impedir na Justiça o curso da arbitragem, método de resolução de litígios extrajudicial que foi acordado entre as empresas. Mas o tribunal entendeu que a existência da cláusula de arbitragem cheia - aquela que prevê no próprio contrato as regras que devem ser seguidas no caso de instalação de um procedimento arbitral - é suficiente para afastar o caso do Judiciário. Ao reafirmar a impossibilidade de anular sentenças arbitrais na Justiça, o TJSP segue a posição atual das cortes superiores. A decisão, no entanto, ocorre apenas alguns dias após um julgamento em sentido contrário do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) ter provocado polêmica entre os defensores da arbitragem.
O caso julgado no TJSP envolve a parceria entre a Renault e a CAOA que durou de 1992 a 1995, quando a multinacional iniciou suas atividades no Brasil. Com o término da relação contratual, surgiram inúmeras disputas judiciais nas quais as empresas discutiam a culpa pelo fim da parceria. Em 1998, porém, as partes acordaram em resolver suas pendências por meio de um laudo pericial e, caso não chegassem a um consenso - o que, de fato, ocorreu -, se sujeitariam a uma arbitragem segundo as regras da Câmara de Comércio Internacional (CCI). Apesar de a cláusula de arbitragem do contrato determinar as regras do método, a CAOA ajuizou uma ação de instituição de juízo arbitral, com o intuito de obter uma sentença que valesse como compromisso arbitral, o que permitiria a nomeação de outros árbitros. Mas, no julgamento do recurso desta ação, o TJSP extinguiu o processo por entender que a existência da cláusula cheia é suficiente para afastar o Judiciário da questão.
O procedimento arbitral, no qual a CAOA tentava uma indenização de U$$ 600 milhões, durou quatro anos. Em 2002, a sentença do Tribunal Arbitral Internacional determinou que a Renault não foi culpada pelo fim da parceria, pois tinha motivos justos para rescindir as relações contratuais, e decidiu apenas pelo pagamento de cerca de R$ 5 milhões à CAOA referentes à prestações de serviços na época da parceria. Inconformada, a CAOA ajuizou uma ação para tentar anular a sentença arbitral, mas, ao julgar o recurso em 2006, o TJSP entendeu que não era competente para analisar uma sentença estrangeira, o que caberia ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) - que não conheceu o recurso. Em 2003, a CAOA tentou uma nova ação, desta vez de reparação por danos materiais e morais, alegando que os efeitos da sentença arbitral deveriam ser anulados pois esta não foi sequer homologada pelo STJ. Agora, o TJSP entendeu que, mesmo que se trate de uma sentença estrangeira, é impossível submetê-la à apreciação do Judiciário quando existe a cláusula cheia de arbitragem no contrato, como era o caso.
A decisão do tribunal paulista confirma a posição dos tribunais superiores - em 2002, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a constitucionalidade da Lei de Arbitragem e, desde então, decisões do STJ confirmaram o efeito vinculante da cláusula arbitral. Com jurisprudência favorável, a arbitragem cresceu no país: de acordo com dados da CCI, o Brasil já ocupa o quarto lugar no uso da arbitragem em número de partes em procedimentos, sendo que em 2001 o país quase não aparecia nas estatísticas. Para a advogada Adriana Braghetta, vice-presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem e advogada do escritório L. O. Baptista Advogados, a decisão do TJSP demonstra que o Judiciário está maduro para o uso da arbitragem, o que, em sua opinião, possibilita maior segurança jurídica aos investidores externos. Já para o advogado Eduardo Pecoraro, do escritório Ferro, Castro Neves, Daltro & Gomide Advogados, a validade da arbitragem é casuística, variando conforme o que o Judiciário considerar como cláusula cheia.
Apesar do entendimento nas cortes superiores, o TJPR decidiu, recentemente, de forma contrária. A empresa Inepar conseguiu suspender no tribunal a execução de uma sentença arbitral sob a alegação de que as partes não tinham firmado um compromisso arbitral - mas apenas uma cláusula "ad hoc", em que as partes estabelecem as regras do jogo. Para a advogada Selma Lemes, do Selma Lemes Advogados Associados, a decisão gerou insegurança ao negar tudo o que tem se firmado no país sobre arbitragem e, por isto, o acórdão do TJSP "veio em um momento crucial". "A decisão do TJSP é um norte para o comércio internacional", diz.
Procurada pelo Valor, a Renault não quis se manifestar e não autorizou que a advogada que a representa, Eleonora Pitombo, do escritório Castro, Barros, Sobral Gomes Advogados, o fizesse. A CAOA, contatada pela reportagem, também preferiu não se pronunciar sobre o caso. O advogado que representa a empresa, Jairo Saddi, do escritório Saddi Advogados, informou apenas que a questão pende de recurso no STJ.
Luiza de Carvalho, de São Paulo
26.03.08